Em
18 de dezembro de 2009 foi publicado acórdão de decisão do Recurso
Especial 1.002.932 no Superior Tribunal de Justiça. A 1ª Seção decidiu,
em regime de Recurso Repetitivo, alguns pontos da Lei Complementar
118/2005. Tal lei diminuiu o prazo para os contribuintes recuperarem os
valores tributários indevidamente pagos sob regime de “lançamento por
homologação” ou “auto-lançamento”. Tal regime abrange praticamente
todos os tributos.
O presente artigo trata de apenas um único tema deste vasto assunto.
A tese sustentada aqui é uma só, a de que não existe regra de transição
para prescrição, conforme a LC 118/05. Este tema é muito importante e
inexplorado. E existem repercussões práticas imediatas caso os
profissionais da área não tomem atitudes rápidas nos primeiros meses de
2010.
Até vigência da LC 118/05, a jurisprudência era no sentido de que,
para os tributos de autolançamento (como IRPJ, Pis, Cofins, ICMS e ISS,
por exemplo), o prazo para repetição do indébito era de cinco anos
contados da homologação, e não do pagamento. Isso porque a extinção do
crédito tributário ocorre com a homologação (quitação), não com mero
pagamento. Nestes casos de autolançamento, a homologação normalmente
acontecia de forma tácita, ou seja, passados cinco anos do pagamento em
caso de inexistência de impugnação pelo ente público. Portanto, na
prática, o contribuinte tinha dez anos para recuperar valores, ou seja,
os cinco que o Fisco levava para promover a homologação tácita e mais
cinco após esta. Tratava-se da famosa “tese dos 5 + 5”. Isto está nas
centenas de precedentes que existem sobre o assunto.
No entanto, a LC 118/05 definiu, a título de interpretação do Código
Tributário Nacional, que a extinção dos tributos de autolançamento se
dá quando do pagamento, não quando da homologação. Portanto, o prazo
para recuperação dos tributos pagos sob tal regime iniciaria a partir
do pagamento de cada um, não de homologação a acontecer em até cinco
anos. O propósito da lei foi reverter a interpretação “5 + 5” adotada
pelos tribunais. Isso, inclusive, com efeitos retroativos. Daí a
preocupação da nova lei em denominar-se “interpretativa”.
Após avanços e retrocessos, o STJ, por meio do referido recurso
repetitivo Resp 1.002.932, decidiu que a LC 118/05 repercute apenas
para os tributos pagos em sua vigência, ou seja, a partir de 2005. Os
valores pagos anteriormente ainda se submetem à “tese dos 5 + 5”. Este
ponto é importante e positivo.
No mesmo acórdão, o STJ confirmou que a regra do “5 + 5” vale para
todos os valores pagos antes da vigência da LC 118/05, tanto para
aqueles que já tinham processo em curso antes de tal vigência quanto
aqueles sem questionamento judicial após publicação da nova lei. Este
ponto também é importante e positivo.
O Resp 1.002.932, de 18 de dezembrio, no entanto, decidiu que mesmo
para os pagamentos feitos antes de 2005, o prazo máximo para pedido de
recuperação é 9 de junho de 2010, ou seja, cinco anos contados da
vigência da LC 118/05. Isto significa que o prazo para recuperação de
valores indevidamente pagos em 2004 não é 2014 e sim 2010. Eis a ementa:
“Consectariamente, em se tratando de pagamentos indevidos efetuados
antes da entrada em vigor da LC 118⁄05 (09.06.2005), o prazo
prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito,
nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, continua
observando a cognominada tese dos cinco mais cinco, desde que, na data
da vigência da novel lei complementar, sobejem, no máximo, cinco anos
da contagem do lapso temporal (regra que se coaduna com o disposto no
artigo 2.028, do Código Civil de 2002, segundo o qual: 'Serão os da lei
anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de
sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo
estabelecido na lei revogada.').”
Aqui está o equívoco por parte do STJ. Este é o ponto central do presente texto.
A posição do penúltimo parágrafo foi inaugurada pelo voto do voto do
Min. Teori Zavasky, em julgamento feito em 21 de novembro de 2005, no
processo EREsp 644.736, ou seja, poucos meses após publicação da nova
lei:
"Tratando-se de norma que reduz prazo de prescrição, cumpre
observar, na sua aplicação, a regra clássica de direito intertemporal,
afirmada na doutrina e na jurisprudência em situações dessa natureza: o
termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o
estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência),
iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei
antiga, em menos tempo. São precedentes do STF nesse sentido."
A ementa do mesmo processo 644.736, com julgamento sob regime de
“recursos repetitivos”, manteve o incorreto entendimento (com nossos
destaques):
"O advento da LC 118⁄05 e suas conseqüências sobre a prescrição, do
ponto de vista prático, implica dever a mesma ser contada da seguinte
forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência
(que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a repetição do indébito é de
cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos
anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema
anterior, LIMITADA, PORÉM, ao prazo máximo de cinco anos a contar da
vigência da lei nova."
Vários julgamentos no STJ e em outros tribunais acolheram os maus primeiros passos dados no referido EREsp 644.736.
Entendemos que a posição dos parágrafos acima está errada por motivo
muito simples: pela regra de “direito intertemporal” de limitação dos
prazos antigos, a nova contagem iniciada nos termos e a partir de
publicação de lei restritiva nova está, apenas, no artigo 2.028 do
Código Civil de 2002 e sua interpretação dada pelos tribunais:
“Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos
por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”
PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. VIGÊNCIA
DO NOVO CÓDIGO CIVIL. REGRA DE TRANSIÇÃO (ART. 2.028). PRESCRIÇÃO
TRIENAL. ART. 206, § 3º, IX, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
1. O prazo prescricional para propositura da ação de cobrança relacionada ao seguro obrigatório (DPVAT) é de três anos.
2. Em observância da regra de transição do art. 2.028 do novo Código Civil, se, em 11.1.2003, já houver passado mais de dez anos, o prazo prescricional vintenário do art. 177 do Código Civil de 1916 continua a fluir até o seu término; porém, se naquela data, não houver transcorrido tempo superior a dez anos, inicia-se a contagem da prescrição trienal prevista no art. 206, § 3º, IX, do Código Civil de 2002. (STJ, AgRg no Ag 1133073/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, DJe 29/06/2009)
1. O prazo prescricional para propositura da ação de cobrança relacionada ao seguro obrigatório (DPVAT) é de três anos.
2. Em observância da regra de transição do art. 2.028 do novo Código Civil, se, em 11.1.2003, já houver passado mais de dez anos, o prazo prescricional vintenário do art. 177 do Código Civil de 1916 continua a fluir até o seu término; porém, se naquela data, não houver transcorrido tempo superior a dez anos, inicia-se a contagem da prescrição trienal prevista no art. 206, § 3º, IX, do Código Civil de 2002. (STJ, AgRg no Ag 1133073/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, DJe 29/06/2009)
PRESCRIÇÃO. REGRA DE TRANSIÇÃO. MARCO INICIAL. ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES.
I - Aplicada a regra de transição do art. 2028 do Código Civil de 2002, o marco inicial de contagem é data em que entrou em vigor do novo Código. Precedentes do STJ. (STJ, AgRg no Ag 986.520/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 25/06/2009)
I - Aplicada a regra de transição do art. 2028 do Código Civil de 2002, o marco inicial de contagem é data em que entrou em vigor do novo Código. Precedentes do STJ. (STJ, AgRg no Ag 986.520/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 25/06/2009)
O principal problema da aplicação do art. 2.028 do CC/02 à LC 118/05
é que o Código Civil é lei ordinária e a Constituição Federal exige lei
complementar para regular tanto prescrição quanto decadência para temas
tributários (art. 146, III, “b”). Em razão disso, a Súmula Vinculante 8
do STF foi editada. Este é o argumento nuclear do presente artigo.
A verdade é que a “regra de transição” prevista em lei ordinária não
pode gerar efeitos no ramo jurídico-tributário, que exige legislação
complementar. Assim, não existindo transição, a norma a ser seguida é
muito simples. Para os pagamentos feitos antes da LC 118, aplica-se
tese dos “5 + 5”, inclusive com encerramento em 2013 do prazo para
recuperação para pagamentos indevidamente feitos em 2003. Aos
pagamentos feitos após vigência da LC 118, usa-se o prazo simples de
cinco anos.
A solução dos dois parágrafos acima é tão simples que acreditamos
que a posição agora sustentada pelos precedentes judiciais não passa de
um acidente. De um lado, a tese anticontribuinte foi inaugurada poucos
meses após nova lei e, naquele processo 644.736, não foi adequadamente
discutida. Isto pelo simples fato de que não era relevante, vez que o
processo havia sido ajuizado antes de 2004.
Portanto, referida “tese” passou sem maiores debates. Representou,
na melhor das hipóteses, um “obter dictum” e não “ratio dicidendi”.
Em
demais precedentes as ações também foram ajuizadas antes de 2005, razão
pela qual a tese aqui atacada sequer deveria ter sido mencionada, dada
sua irrelevância. De outro lado, uma vez montado o cenário das frases
anteriores, houve mera repetição de precedentes sem adequada análise
crítica.
O importante Recurso Especial 1.002.932 com que abrimos o presente
artigo teve acórdão publicado em 18 de dezembro. Ainda é possível
apresentação de Embargos de Declaração até início de fevereiro de 2010.
A medida corretiva ajudaria a reverter entendimento que,
incorretamente, ameaça milhões de contribuintes. Estes que poderiam ter
até 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 para recuperar tributos e, se
prevalecer o incorreto entendimento, terão apenas até junho de 2010.
Por fim, vale lembrar que o prazo para recuperação abrange prazos
judiciais e também administrativos. A prevalecer a tese por nós
sustentada, autocompensações e restituições administrativas (PER/DCOMP)
poderão ser pleiteadas e realizadas com mais prazo. Isto é
especialmente importante quando sabe-se que existem vários obstáculos
que certamente impedirão a todos os contribuintes aproveitarem todos os
seus créditos nos poucos meses que faltam para o junho de 2010.