terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O PROCESSO ADMINISTRATIVO E O PRAZO PARA JULGAMENTO


Um processo na esfera administrativa federal demora, em média, cinco anos para ser julgado. Na primeira instância, são dois anos e 15 dias. Já no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), segunda instância administrativa, o trâmite alcança aproximadamente um ano e sete meses. A demora também é proporcional ao valor do auto de infração - quanto maior o montante envolvido, mais tempo para ser julgado. A maior parte dos casos analisados envolve a discussão sobre prazos para a cobrança de tributos e planejamentos tributários. Os dados, antecipados para o Valor, fazem parte de uma pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Fiscais da DireitoGV, da Fundação Getúlio Vargas. O levantamento foi realizado ao longo deste semestre a partir da análise de 425 acórdãos do antigo Conselho de Contribuintes (hoje Carf) e 91 do atual conselho. Além de entrevistas com 31 conselheiros, ex-conselheiros, advogados e procuradores que atuam no órgão.

Segundo o estudo, a maioria dos autos de infração que vai para o Carf - 22% do total - envolve valores que variam de R$ 100 mil a R$ 500 mil. Autos superiores a R$ 5 milhões representam 7% do total. Enquanto as autuações milionárias levam cerca de quatro anos e dois meses para serem julgadas, as que não ultrapassam a casa dos R$ 100 mil levam até dois anos e cinco meses para serem finalizadas.

As matérias mais discutidas no conselho, de acordo com a pesquisa, referem-se ao prazo que o fisco teria para cobrar tributos e multas dos contribuinte. O tema planejamento tributário está em segundo lugar. Entre as mais de cem páginas de dados e conclusões do estudo, a questão está presente em mais de 20 delas. As entrevistas apontam que faltam critérios objetivos para os conselheiros analisarem questões relativas aos planejamentos tributários. Ou se esses critérios existem, eles não são divulgados. A consequência são as dúvidas frequentes dos contribuintes sobre a questão.

Das decisões do Carf analisadas, 81% tratam de planejamentos tributários. Na maior parte delas (15%), discute-se a aplicação da conhecida prática "casa e separa". Em geral, o procedimento ocorre quando há a alienação do controle de uma empresa, evitando-se o ganho de capital. Nessas operações, há o contínuo aumento de capital mediante a subscrição de ações com ágio. A parte que pretende vender a empresa sai do negócio, fazendo o resgate das ações. A troca do controle acionário da empresa alienada, mediante o aumento de capital com ágio, e o consequente resgate de ações pela alienante não sofre incidência tributária.

Em 50% dos casos, os planejamentos tributários são aceitos pela "primeira instância" do Carf. Ao apresentar recurso, porém, a Receita reverte esse entendimento em 41% das situações. Além disso, em 75% dos processos, o fisco argumenta que se trata de "simulação". As multas impostas pelo fisco, muitas vezes de valor maior do que o do próprio imposto devido, são o tema mais discutido. A multa qualificada, de 150% do tributo que o contribuinte deixou de pagar com intenção de fraudar o governo, é uma das mais citadas nesses casos. Para o coordenador da pesquisa, o advogado Eurico Marcos Diniz de Santi, a imposição da multa qualificada induz o contribuinte a entrar em parcelamentos como o Refis da Crise, que, em troca da quitação da dívida, concede desconto na multa.

As pesquisa mostra ainda que 90% dos entrevistados acreditam que não há uniformidade nas decisões do Carf sobre planejamento tributário. Mesmo entre conselheiros, há profundas divergências sobre quais são os critérios. "A grande dificuldade é como provar a intenção", diz De Santi. Além disso, 50% dos entrevistados entendem que há uma tendência dos conselheiros, que atuaram durante muito tempo na Receita Federal, de tomarem decisões pró-fisco. Por outro lado, 30% mencionaram pressões políticas sobre conselheiros representantes dos contribuintes. Segundo a pesquisa, a não recondução do advogado ao cargo de conselheiro é percebida como ameaça tácita ao conselheiro que não decide de acordo com os interesses do grupo que o indicou.

Em época pré-eleitoral, começam a aparecer um maior número de votos de qualidade no Carf. Essa é outra constatação das entrevistas. O voto de qualidade é o voto de representante do Fisco para desempatar um julgamento. "Em época pré-eleitoral, como dificilmente há aumento de carga tributária, cresce a pressão da fiscalização sobre os contribuintes e, no Carf, o reflexo é o maior uso do voto de qualidade", afirma Santi.

O levantamento conclui que a falta de informação no site do Carf é um dos fatores que cooperam para a morosidade dos julgamentos. Mas o maior entrave à celeridade seria a necessidade de devolução dos autos à delegacia de origem da Receita para a intimação do contribuinte.