Na
última semana de 2009, a Casas Bahia fechou as cinco lojas da rede no
Rio Grande do Sul. Motivo: a atitude da Secretaria da Fazenda do
Estado, que lavrou 45 autos de infração no valor de R$ 52 milhões.
Segundo a empresa, a “autuação da fiscalização do estado foi
arbitrária, constituindo créditos sabidamente indevidos”. As autuações
foram contestadas, duas delas revertidas na fase administrativa. O
resto ficou para ser decidido no Judiciário.
Pior que a perda de receita e 150 postos de trabalho desaparecidos, a imagem deixada pela atitude da Casas Bahia contra o modus operandi do fisco gaúcho é uma pedrada de “espantaempresa” em qualquer programa de atração e incentivo do Rio Grande do Sul.
A
busca do pleno emprego, da valorização social do trabalho e da função
social da propriedade, da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional
e de uma sociedade justa e solidária são objetivos textualmente
impressos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Estes, na verdade, são fundamentos e princípios sob os quais devem Estado e sociedade caminhar e desenvolver.
Ao
menos no âmbito judicial, a Secretaria da Fazenda do estado de Goiás
está fazendo a leitura correta dos fundamentos. A recente Lei
16.675/09, que autorizou a transação e o parcelamento, estabeleceu como
objetivo e premissa de garantia do crédito tributário, mesmo na
situação de crise econômico-financeira do devedor, a preservação da
empresa, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores
e dos interesses públicos correspondentes, em reconhecimento à função
social e ao estímulo à atividade econômica.
A lei prenuncia e
determina mudança sistêmica ao incluir também como objetivo
“privilegiar a garantia de segurança e boa-fé no cumprimento das leis
tributárias, mediante a instauração de novo contexto cultural de
modernização da ação fiscal”. O Estado moderno é transparente. A
administração fiscal moderna é republicana por excelência.
A
postura é moderna, é republicana e merece elogio o governador Alcides
Rodrigues, o Secretário de Fazenda Jorcelino Braga e assessores. Mudar
culturas e costumes exige visão, competência, habilidade e timing. Tudo tem seu tempo e sua hora.
A
lei, no entanto, deve sofrer reparos: a) para permitir a transação dos
débitos ajuizados com menos de dois anos; b) para afastar a
condicionante de homologação da transação ao pagamento de 10% de
honorários à Procuradoria; c) e vincular de forma textual e objetiva os
agentes fazendários, também no âmbito administrativo, aos objetivos e
princípios do âmbito judicial. Dos três, este último é o mais complexo,
posto que impõe mudanças sobre conceitos e interpretações vincados por
décadas de exercício de ações fiscais.
Goiás é o que é hoje
graças à política de atração de empresas através de incentivos fiscais.
A partir do “Fomentar”, criado em 1982, governos se revezaram no
exercício de concorrer pela atração de mais e melhores. Desde então, um
número sem conta de acordos e Protocolos de Intenções foram assinados
com empresas e empresários, nacionais e estrangeiros.
Ainda não
tive a oportunidade de avaliar os Protocolos de Intenções assinados
pelo atual governo na linha dos incentivos. Mas não há nenhum Protocolo
de Intenções firmado com o estado de Goiás, dos governos anteriores,
onde a cláusula primeira não seja marcada pela simplicidade e
objetividade da obrigação da empresa investir, construir e gerar número
de empregos no território goiano.
O mesmo não se pode dizer das
cláusulas seguintes, da contrapartida do estado de Goiás, especialmente
na parte relacionada à concessão e administração do regime especial do
crédito, cuja revogação é sujeita ao arbítrio único da Sefaz.
Mesmo
após a implantação de parques industriais e milhões de reais investidos
e centenas de empregos criados, a manutenção do regime especial do
crédito concedido se sujeita ao arbítrio único da Secretaria da
Fazenda, vale dizer, de qualquer agente fazendário.
Protocolos
assim firmados ofendem ao artigo 122 do Código Civil Brasileiro, pelo
qual, nos contratos, “entre as condições defesas se incluem as que
privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro
arbítrio das partes.”
Institucionalmente, considerado o
fundamento e o propósito sob o qual estão assentados os contratos, tal
condição guarda petardo de efeito ofensivo à imagem e segurança aos
Protocolos firmados pelo estado de Goiás, posto que sujeitos ao humor
político de governantes futuros e/ou interpretações subjetivas de
quaisquer agentes fazendários.
Há o caso conhecido de lançamento
tributário de R$ 43 milhões, porque o agente interpretara que o
benefício não fora concedido à empresa A, mas sim à empresa B, quando
havia a união de A e B para o empreendimento.
Dois anos depois da
autuação, mediante Informação da Gerência de Regimes Especiais e
Benefícios Tributários, o Pleno do Conselho de Administração Tributária
de Goiás anulou a autuação, e chamou a atenção do autuante para a
necessidade de se compreender as cláusulas dos créditos outorgados em
regime especial pelo objetivo do Protocolo de Intenções. Um ano depois,
o grupo sofreu nova autuação sobre o mesmo fenômeno.
A Sefaz
possui inúmeros agentes, sendo naturais interpretações diversas sobre
um mesmo fato. Cada agente fiscalizador, por si mesmo, é a Secretaria
da Fazenda.
Qualquer Protocolo de Intenções, por mais elevado e
relevante que seja o interesse social e econômico do estado de Goiás,
pode ser frustrado por qualquer agente fazendário designado.
Frustração
que tanto pode decorrer de autuações decorrentes de viés legitimamente
técnico, mas equivocado pela leitura isolada do fato sem o contexto do
Protocolo, como decorrente de capricho pessoal ou emulação.
Consta
dos parágrafos 5º e 6º do artigo 13 do Regulamento do “Fomentar” que as
empresas incentivadas adotarão Termo de Acordo de Regime Especial para
a emissão fiscal, nas condições estabelecidas pela Sefaz. O pedido de
adoção do regime especial deve ser protocolado e dirigido à Secretária
da Fazenda, que tem o prazo de 15 dias para providenciar o Termo.
Não cuidando a Sefaz de providenciar o Termo no prazo de 15 dias, a empresa está
“apta a usufruir, de imediato, o benefício que lhe tiver sido outorgado
pelo Conselho Deliberativo do FOMENTAR, independentemente da assinatura
do TARE” previsto no parágrafo 5º. É a determinação do parágrafo 7º do mesmo artigo 13, do citado regulamento.
Neste
sentido, a ausência de resposta da Sefaz à solicitação autoriza a
signatária do Protocolo a utilizar o crédito do Fomentar contratado.
Pela
simples interpretação de que tal fato não ocorreu, e que
reconhecidamente não causa qualquer prejuízo tributário ao estado,
milhões de reais de crédito tributário podem ser lançados em autos de
infração.
Isto porque o que era crédito de incentivo se torna
dívida para a empresa (crédito tributário) com juro e multas de mais de
200%, pela simples interpretação de que a empresa utilizou o crédito do
incentivo sem a formalização do TARE.
Este é apenas um exemplo. Mas autuações desta natureza são o um desastre no emocional do empresário e na perspectiva da empresa.
Empresas
com boa saúde e vitalidade comercial, que construíram complexos
industriais e geraram empregos, estão impedidas de gozar os benefícios
pelos quais foram atraídas para Goiás por fenômenos que não causaram e
não causam qualquer prejuízo tributário ao estado de Goiás. Empresas
que estão perdendo a capacidade competitiva e o espaço comercial para
concorrentes de outros estados, porque os incentivos que davam a
vantagem não mais podem ser utilizados.
Muito do que há hoje no
âmbito judicial pode ser revisto administrativamente pela Sefaz. A
autoridade fazendária tem poder para rever os seus atos, mormente pela
existência de novo contexto cultural, moderno. O restabelecimento do
TARE ou a permissão para utilização dos créditos outorgados às empresas
que investiram, construíram complexo industrial, geraram empregos e
cumpriram 100% das obrigações ajustadas nos Protocolos de Intenções é
um dos fenômenos que merece releitura e revisão de ação neste novo
contexto instaurado na Sefaz.
Mais do que a invocação do espírito
de “preservação da empresa, da manutenção da fonte produtora, do
emprego dos trabalhadores, reconhecimento à função social e ao estímulo
à atividade econômica”, o fenômeno clama somente bom senso, posto que
não há nenhum prejuízo ao fisco estadual.
O estado de Goiás só
tem a ganhar, pois novos grupos que estão chegando e mais do que nunca
desejam segurança na contrapartida do estado, sem petardos de
interpretação no futuro.