O presente
artigo tem a finalidade de destacar o alcance e a importância de detectar o
instituto decadência e o instituto prescrição nos débitos declarados, não
declarados, adimplidos e não pagos, principalmente com a edição da Lei
11.941/09, que permite parcelamento de débitos com condições especais, que
podem interessar para muitos devedores.
O
parcelamento tributário foi instituído no Código Tributário Nacional pela Lei
Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, e está inserida no artigo 155-A:
§ 1º
Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não
exclui a incidência de juros e multas.
§
2º Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei,
relativas à moratória.
§ 3º Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento
dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.
§ 4º A
inexistência da lei específica a que se refere o § 3º deste artigo importa na
aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em
recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento
inferior ao concedido pela lei federal específica. [1] (grifo nosso)
É
importante esclarecer o alcance do instituto parcelamento no Direito
Tributário, que por várias vezes implementado pelo Fisco (ex: REFIS, PAES,
PAEX), vem sempre regulamentado por norma ordinária. O parcelamento tributário
rege-se subsidiariamente pelo instituto da moratória, que está expresso nos
artigos 152 ao 155 do Código Tributário Nacional, portanto, abarcado pela legislação
complementar.
Recentemente
entrou em vigor a Lei 11.941 de 27 de maio de 2009, estabelecendo uma nova
oportunidade de parcelamento:
Art.
1º Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses,
nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita
Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa
de Recuperação Fiscal – REFIS, de que trata a Lei no 9.964, de
10 de abril de 2000, no Parcelamento Especial – PAES, de que trata
a Lei
no 10.684, de 30 de maio de 2003, no Parcelamento Excepcional –
PAEX, de que trata a Medida
Provisória no 303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento
previsto no art.
38 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e no parcelamento
previsto no art.
10 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, mesmo que tenham sido
excluídos dos respectivos programas e parcelamentos, bem como os débitos
decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI oriundos da aquisição de matérias-primas, material de
embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do
Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto
no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência de alíquota 0
(zero) ou como não-tributados. [2]
A benesse
desse novo parcelamento está nos descontos oferecidos pela União, que concede
ao sujeito passivo redução da multas de mora e de oficio, juros de mora e
encargo legal (inciso I a V, § 3º do art. 1º da lei 11.941).
Porém,
assim como nas leis de parcelamentos anteriores, a presente lei estabelece que
o sujeito passivo tem o dever de confessar suas dívidas em caráter irretratável
e irrevogável. Confira-se:
Art.
5º A opção pelos parcelamentos de que trata esta Lei importa confissão
irrevogável e irretratável dos débitos em nome do sujeito passivo na condição
de contribuinte ou responsável e por ele indicados para compor os referidos
parcelamentos, configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348,
353
e 354
da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo
Civil, e condiciona o sujeito passivo à aceitação plena e irretratável de todas
as condições estabelecidas nesta Lei.
Art.
6º O sujeito passivo que possuir ação judicial em curso, na qual requer o
restabelecimento de sua opção ou a sua reinclusão em outros parcelamentos,
deverá, como condição para valer-se das prerrogativas dos arts. 1o,
2o e 3o desta Lei, desistir da respectiva ação judicial e
renunciar a qualquer alegação de direito sobre a qual se funda a referida ação,
protocolando requerimento de extinção do processo com resolução do mérito, nos
termos do inciso V
do caput do art. 269 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –
Código de Processo Civil, até 30 (trinta) dias após a data de ciência do
deferimento do requerimento do parcelamento. [3]
Ocorre que
muitos dos débitos, ditos devidos pelo Fisco, na realidade não são devidos pelo
sujeito passivo, pois foram fulminados ou pela decadência tributária ou pela
prescrição tributária.
Note-se, a
propósito, que o Supremo Tribunal Federal, em 12 de junho de 2008, aprovou a
Súmula Vinculante 8, estabelecendo que decreto-lei e lei ordinária não podem
tratar sobre matéria que verse sobre decadência tributária e prescrição
tributária, que são reservadas a lei complementar:
“São
inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1.569/77 e os
artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de
crédito tributário”.[4]
Neste
julgamento foi decidido que esta decisão teria efeito modular, estabelecendo-se
que quem pagou o tributo até 11 de junho de 2008 não teria direito à repetição
de indébito, enquanto que, para quem não tivesse ainda pago o tributo, o valor
não mais seria devido.
Desta
feita, principalmente em razão de débitos previdenciários resguardados pela Lei
8.212/91, art. 45 e art. 46, declarados inconstitucionais, tem a autoridade
administrativa de extirpar os créditos tributários nos novos parcelamentos,
assim como nos anteriormente parcelados, conforme preceitua o art. 103-A da
Constituição Federal:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício
ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir
de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei.
(...)
§
3º Do ato
administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que,
julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a
aplicação da súmula, conforme o caso.[5]
Não
obstante, na época dos parcelamentos anteriores (REFIS, PAES, PAEX) o
entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça era de que o prazo
prescricional para o Fisco cobrar era de dez anos, pois havia aplicação
conjunta dos artigos 150, parágrafo 4º do Código Tributário Nacional, e do
inciso I do art. 173 do mesmo Código. Este entendimento perdurou entre os anos
de 1995 até meados do ano de 2005, quando no REsp 638.962/PR, de relatoria do
Ministro Luiz Fux, alterou-se este entendimento, considerando-se a aplicação de
um ou do outro artigo conforme o caso.
Observe-se
que, durante este período, os parcelamentos abarcaram débitos prescritos ou
decaídos, conforme o caso, e, portanto passíveis de nulidade.
A par
disso, é patente o direito que tem o sujeito passivo de ver excluídas dívidas
prescritas ou decaídas dos débitos parcelados, não se podendo levar em
consideração as imposições da lei ordinária que estabelece como confissão
irrevogável e irretratável as dívidas repactuadas, pois conforme exposto, lei
ordinária não pode estabelecer prazos de decadência e prescrição. Neste
sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão Recurso Especial
646.328-RS (2004⁄0034622-0), relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques:
Recurso Especial Nº 646.328 - RS
(2004⁄0034622-0)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Bernardo Sonego
Advogado: Lino Dalmolin
Recorrido: Município de São João do Polêsine
Advogado: Ditmar Adalberto Strahl
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Bernardo Sonego
Advogado: Lino Dalmolin
Recorrido: Município de São João do Polêsine
Advogado: Ditmar Adalberto Strahl
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IPTU. ARTIGOS 156, INCISO V, E 165, INCISO I, DO CTN.
INTERPRETAÇÃO CONJUNTA. PAGAMENTO DE DÉBITO PRESCRITO. RESTITUIÇÃO DEVIDA.
1. A partir de uma interpretação
conjunta dos artigos 156, inciso V, (que considera a prescrição como uma das
formas de extinção do crédito tributário) e 165, inciso I, (que trata a
respeito da restituição de tributo) do CTN, há o direito do contribuinte à
repetição do indébito, uma vez que o montante pago foi em razão de um crédito
tributário prescrito, ou seja, inexistente. Precedentes: (REsp 1004747⁄RJ, Rel.
Min. Luiz Fux, DJe 18⁄06⁄2008; REsp 636.495⁄RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ
02⁄08⁄2007)
2. Recurso especial provido.[6]
Note-se
que o caso em apreço trata de repetição de indébito de tributo lançado de
ofício (IPTU), alcançado pela prescrição. Porém, as premissas utilizadas são as
mesmas para todos os tributos (misto ou por homologação), ou seja, o Código
Tributário Nacional não distingue qual o tributo a ser fulminado pela
decadência ou pela prescrição, pois todos são abarcados por estes institutos.
O fato,
portanto, é que a segurança jurídica tem de ser respeitada.
Se um
parcelamento oportuniza ao contribuinte desistir de um parcelamento anterior
para inscrever-se em um parcelamento atual, o parcelamento anterior retorna à
condição primária. Tendo este dívidas que antes, por exemplo, não eram
consideradas prescritas ou decaídas em função do entendimento dos cinco mais
cinco da jurisprudência — cinco anos para decadência, mais cinco anos para
prescrição, somando mais de dez anos para que o Fisco cobrasse —, agora pode-se
extirpar o débito no novo parcelamento. O que já foi pago, por consequência,
teria de ser abatido do valor consolidado no novo parcelamento. Assim, como não
havendo débito a abater, o valor pago deveria ser restituído.
Outra
novidade deste parcelamento recente é a possibilidade de aderir em parte, ou
seja, os débitos em que há dúvidas quanto a sua existência podem ficar fora do
novo parcelamento. Nos parcelamentos anteriores, possibilitava-se a adesão da
dívida no todo, para posterior pedido judicial de exclusão dos débitos não
devidos. Em breve resumo, estas são algumas ponderações que podem ser de
utilidade para os contribuintes nesse momento, para efeito de deliberar sobre a
conveniência de adesão ao parcelamento instituído pela Lei 11.941/09, que, sem
dúvida, traz condições especais, que podem interessar a muitos devedores.
Evandro
Garcia de Lima, advogado em Uberaba – MG, especializando em Direito Tributário
pela LFG/UNISUL.
[1]BRASIL. Lei n. 5.172 de 25 de
outubro de 1966. Disponível em
[2]BRASIL. Lei n. 11.941 de 27 de maio
de 2009. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11941.htm>.
Acesso em 15 set. 2009.
[3]BRASIL. Lei n. 11.941 de 27 de maio
de 2009. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11941.htm>.
Acesso em 15 set. 2009.
[4]BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Disponível em
[5] BRASIL. CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em <
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>.
Acesso em 15 set. 2009.
[6] BRASIL. Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça. Tributário. Repetição de Indébito.IPTU.Pagamento de
crédito tributário prescrito. Recurso Especial nº 646.328 Rio Grande do Sul.
Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Junho de 2009.