Abram Szajman e Ives Gandra Martins |
A
segurança jurídica é fundamental para que um país como o Brasil possa
receber os investimentos de que necessita para se desenvolver na medida
de suas potencialidades. Isso significa respeito ao Estado Democrático
de Direito, à Constituição vigente, ao equilíbrio entre os Poderes da
República e ao estabelecimento de marcos regulatórios estáveis no que
concerne às relações entre as empresas e o Estado.
Apesar
de estarmos vivendo um período já longo de normalidade democrática —
inédito em nossa conturbada história política e social —, pairam no ar
ameaças de retrocesso em razão de algumas leis já aprovadas e de outras
que podem vir à tona caso passem pelo crivo do Congresso Nacional.
Assim como a sociedade brasileira já incorporou, independentemente de
governos, a estabilidade monetária de que desfrutamos desde a
implantação do Plano Real, também é preciso garantir as conquistas na
área jurídica.
Em
primeiro lugar, examinemos a nova legislação que passa a regulamentar
os processos de mandado de segurança, que preocupa por trazer algumas
inconstitucionalidades. A Lei nº 12.016, de 2009, revogou a anterior,
de número 1.533/1951, que até o presente regulamentava o assunto,
recepcionado nas Constituições de 1967 e de 1988.
De
início, é importante lembrar que o artigo 5º, incisos LXXIX e LXXX, da
Constituição garante ao cidadão brasileiro que tiver seus direitos
constitucionais suprimidos ou ameaçados a possibilidade de entrar com
ação de mandado de segurança, individual ou coletivo, sem qualquer
limitação. Dessa forma, se caracterizada a lesão ou a ameaça de lesão,
aquele que teve seus direitos atingidos pode recorrer ao Judiciário por
essa via, que concederá ou não a ordem, em razão da convicção do
magistrado da existência do direito líquido e certo. Portanto, a nova
lei não pode impor limitações que não estejam na Lei Suprema.
Essas
limitações se traduzem pela exigência de depósitos, cauções ou fianças
para sua concessão, ferindo assim o espírito da Carta Maior da
República, visto que, na forma em que foi redigida a nova lei do
mandado de segurança, a prestação de garantia se torna um quase
"poder-dever". Em verdade, estando a hipótese na lei, nenhum magistrado
concederá a segurança em questões patrimoniais, sem garantia, para não
ser considerado suspeito. E quem não tiver os recursos necessários para
efetuar o depósito e, assim, assegurar o processo não terá seu direito
líquido e certo protegido.
Da
mesma forma, outra limitação da nova lei está presente no artigo 1º,
parágrafo 2º, que impede a concessão de mandados de segurança contra
atos de gestão de administradores de empresas estatais (públicas,
economia mista, concessionárias de serviços públicos). Pois, se não
podem as autoridades ser responsabilizadas por seus atos (coatores)
como administradores públicos - conforme os parágrafos 5º e 6º do
artigo 37 da Constituição -, o texto da nova lei vai contra princípios
constitucionais.
No
parágrafo 2º do artigo 7º, inclusive, proíbe-se a concessão de medidas
liminares para liberar mercadorias importadas, a reclassificação
aduaneira, a equiparação de servidores públicos ou vantagens de
qualquer natureza, desde concessão de aumentos ou extensão delas para
pagamento.
Ora,
a proibição de concessão de liminar, por exemplo, em importações de
mercadorias, pode acarretar prejuízos consideráveis aos importadores,
sem que seu direito líquido e certo possa ser protegido.
O
mesmo se pode dizer do mandado de segurança coletivo, que só pode ser
concedido após o representante judicial da pessoa jurídica de direito
público.
Em
outras palavras, um remédio processual constitucional, a ação do
mandado de segurança, que não prevê limites em sua utilização, não
poderá ser utilizado justamente por causa da imposição de alguns pontos
limitadores, feita por lei infraconstitucional! (artigo 22, parágrafo
2º).
O
Conselho Federal da OAB-SP já ingressou com ação direta de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra esses
dispositivos, nitidamente redutores dos direitos garantidos pela
Constituição de 1988 aos cidadãos em geral.
O
que nos preocupa, todavia, é que a promulgação da lei também reduz, em
matéria tributária, o direito dos contribuintes, lembrando que, nos
projetos de lei de transação e execução fiscal, em discussão na Câmara
dos Deputados e propostos pelo governo federal, o direito do
contribuinte é reduzido a quase nada.
Segundo
esses projetos, o Fisco pode, por meio da Procuradoria da Fazenda
Nacional, penhorar bens dos contribuintes, levá-los a leilão sem
autorização judicial. Só depois de ter realizado a constrição desses
bens é que, num prazo de 30 dias, levará a questão ao Poder Judiciário,
onde o contribuinte poderá discutir por oito até dez anos para
recuperar não o valor real do bem leiloado, mas o fruto da disputa em
leilão, em que são eles usualmente arrematados por 30% ou 35% do seu
verdadeiro valor.
E,
no projeto de transação, qualquer que seja o acordo que o contribuinte
fizer com o governo, poderá vir a ser reconsiderado, por ato próprio do
governo, no momento que o desejar.
Tanto
a nova lei do Mandado de Segurança quanto os projetos de execução
fiscal e transação estão na linha do retrocesso no que se refere aos
direitos do cidadão. Na certeza de que o Estado é símbolo do interesse
público e cabe a cada cidadão servir ao Estado, e não por ele ser
servido, esse complexo legislativo, que começa a ser "aperfeiçoado",
sinaliza o estabelecimento da absoluta insegurança jurídica que começa
a se instalar no país.
A
intenção é assegurar ao contribuinte um único direito, ou seja, o de
ficar calado e obedecer ao Estado, no que faz de legal ou ilegal, pondo
sua vida e seu patrimônio à disposição dos detentores do poder.
(Artigo publicado originalmente no Estado de S.Paulo em 21 de novembro de 2009)
Sobre o texto:
Texto inserido na Associação Paulista de Estudos Tributários em 24 de novembro de 2009.
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Bibliografia: |
Conforme
a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o
texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da
seguinte forma:SZAJMAN, Abram e MARTINS, Ives Gandra.Insegurança
jurídica - Projetos de execução fiscal e transação estão na linha do
retrocesso.
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Acesso em :24 de novembro de 2009 |
Autor: |
Abram Szajman e Ives Gandra Martins |
Abram
Szajman é presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de
São Paulo e dos Conselhos Regionais do Sesc, do Senac e do Sebrae de
São Paulo. Ives Gandra Martins é presidente do Conselho Superior de
Direito da Fecomercio.
Ives Gandra Martins professor, advogado tributarista e presidente da Academia Paulista de Letras.
Ives Gandra Martins professor, advogado tributarista e presidente da Academia Paulista de Letras.