Texto
constitucional claro e direto, que não deixa ao leitor dúvida quanto ao
seu significado, leva os Tribunais a interpretações tão divergentes e,
em alguns casos, tão distantes da nossa compreensão, que nos faz pensar
que cada intérprete tem a sua própria Constituição, com preceitos
diferentes das demais.
É o que ocorre no caso da recente decisão da 1ª Seção do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça o qual firmou entendimento sobre o alcance
da regra constitucional da não-cumulatividade traçada pelo inciso II do
parágrafo terceiro do artigo 153, IV da Lei Máxima.
Estabelece o
dispositivo citado que será não-cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, o
imposto sobre produtos industrializados cuja competência para instituir
e cobrar é da União.
Imposto não-cumulativo, nos orienta a doutrina, é imposto que não
pode ser cobrado em cascata, que não pode incidir sobre o valor do
próprio imposto. No caso, o texto constitucional vai além e nos diz
como deve ser aplicado esse princípio para apuração do imposto sobre
produtos industrializados — compensando-se o que for devido em cada
operação com o montante cobrado nas anteriores.
Simples e claro. Em cada operação com produtos industrializados o
estabelecimento industrial compensará, deduzirá, abaterá do imposto
devido o montante cobrado nas operações anteriores. Se a Constituição
não restringiu o direito de compensar a determinadas operações
anteriores, não restam dúvidas de que todas as operações anteriores
devem ser levadas em consideração para esse fim. E, operações
anteriores com o que? Claro também que só podem ser operações com bens
que passarão a integrar o custo do produto em fabricação, isto é, dos
bens destinados à produção de novos bens.
Também não há dúvidas que bens destinados à produção de novos bens
são as matérias-primas, os produtos intermediários ou materiais
auxiliares, os materiais de embalagens e as máquinas e equipamentos
industriais. Logo, por força da norma constitucional, havendo cobrança
do imposto nas operações anteriores com esses bens de produção, o
contribuinte que os adquire para emprego na atividade de
industrialização, tem direito constitucional de compensar o montante
sobre eles cobrado com o imposto por ele devido.
Porque esse direito? Responder essa questão não demanda grandes
esforços. Por que aquelas (aquisições de matérias-primas, produtos
intermediários, materiais auxiliares, embalagens, máquinas e
equipamentos) são as operações anteriores realizadas pelo
estabelecimento industrial com o fim de produzir os produtos.
Limitar
ou restringir o direito de compensar o imposto cobrado, como fez a 1ª
Seção do Superior Tribunal de Justiça ao pacificar entendimento no
sentido de que os produtos ou materiais intermediários que se desgastam
no processo produtivo sem contato físico ou químico com os produtos em
fabricação, representa afronta à Constituição.
Além disso, o legislador constitucional preocupou-se de tal forma
com a aplicação da regra que reveste o IPI com a característica de
imposto não-cumulativo que, através de Emenda 42 de 2003 que determinou
que o imposto terá reduzido o seu impacto sobre a aquisição de bens de
capital. Ora, para que o impacto do imposto não iniba investimentos,
parece lógico que o princípio da não-cumulatividade deve ser
considerado e que o tributo que incidiu sobre bens de capital seja
deduzido daquele devido pelo contribuinte.
Cabe aduzir ainda que o debate doutrinário que nos deparamos para
definir se o crédito do imposto deve ser limitado ao que se costumou
chamar de crédito físico ou se está frente a um crédito de natureza
mais amplo, um crédito financeiro, é desprovido de base constitucional.
Com efeito, o IPI incide sobre o valor da operação com produtos
industrializados, isto é, sobre o preço do produto, que é integrado
pelo custo de produção mais margem de lucro, ou seja sobre o valor
financeiro. Portanto, para não ocorrer a cumulatividade vedada pela
Constituição, é necessário que o imposto sobre todos os bens que
integram o custo de produção seja deduzido do imposto devido, aplicando
a teoria do crédito financeiro.
Por fim, resta aos contribuintes esperar que o Supremo Tribunal
Federal, guardião da Constituição da República, dê ao tema a
repercussão que merece e interprete a norma constitucional, de forma a
expor o verdadeiro sentido do princípio que reveste o IPI com a
característica da não-cumulatividade.