Publicada
em 9 de novembro de 2009, no Diário Oficial da União, a Portaria
Conjunta 10, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da
Receita Federal, acabou alterando a previsão da lei que instituiu o
“Refis da Crise”, a pretexto de detalhar o procedimento para a
conversão dos depósitos judiciais vinculados aos débitos passíveis de
pagamento com os benefícios.
A regulamentação complementar, que veio alterar parte da Portaria
Conjunta 6, modificou a forma de utilização dos depósitos judiciais
(valores oferecidos pelos contribuintes em garantia nas ações fiscais)
vinculados aos débitos discutidos, retirando benefícios antes previstos.
Da forma como o texto está redigido, em alguns casos o contribuinte
ficou impossibilitado de se beneficiar das reduções oferecidas pela
legislação instituidora do “Refis da Crise” (Lei 11.941, de 28 de maio
de 2009) para a quitação dos tributos federais.
Ao enumerar quais as dívidas podem ser pagas à vista ou parceladas
com as reduções de juros e multa, a Lei 11.941 incluiu, nesse rol, as
de pessoas físicas ou jurídicas vencidas até 30 de novembro de 2008,
ainda que com a exigibilidade suspensa pelo fato de que estão em fase
de discussão judicial e garantidas por depósitos.
Nos termos da lei que instituiu o programa de benefícios para
pagamento de débitos fiscais, o contribuinte pode utilizar o depósito
vinculado à ação judicial para quitar sua dívida. Após a aplicação das
reduções para o pagamento à vista ou parcelado, o valor é transferido
aos cofres públicos, e ao contribuinte cabe o saldo remanescente da
conta judicial.
É importante ressaltar que o procedimento também estava previsto na
Portaria Conjunta da PGFN e Receita Federal 6/09, que lançou as formas
de execução para a lei instituidora do “Refis da Crise”.
A possibilidade de o contribuinte utilizar o depósito vinculado à
ação judicial para quitar sua dívida — então inédita nos programas de
parcelamento criados pelo governo federal —, somada aos elevados
percentuais de reduções das multas e juros, seria uma das melhores e
mais benéficas anistias fiscais já instituídas no âmbito nacional.
Desde a promulgação da lei, tanto a PGFN, quanto a Receita Federal
já davam sinais de descontentamento em relação a essa possibilidade. Já
se esperava que na própria regulamentação se criasse algum mecanismo
para proibir aquilo que lei permitia. Mas, não veio. A regulamentação
lançada, como não poderia ser diferente, manteve a possibilidade de
utilização dos depósitos para a quitação dos débitos, com as reduções
legais, e a entrega do saldo remanescente das contas aos contribuintes.
Apesar disso, “quando o milagre é grande, o santo desconfia”, já diz
o sábio ditado popular. E, assim, não demorou para sair a alteração da
regulamentação, modificando as disposições sobre a conversão dos
depósitos judiciais.
Segundo o novo texto, só terão direito aos benefícios concedidos
pela lei, os contribuintes que depositaram judicialmente, não só o
valor principal — débito —, mas também as multas e juros.
Dessa forma, passamos a ter duas situações distintas. A primeira é
de um contribuinte que levou uma discussão ao Judiciário, sem ter
sofrido qualquer autuação fiscal e depositou o valor principal da
cobrança. A outra é a de um contribuinte que, por exemplo, foi autuado
pelo agente fiscalizador e, ao levar a questão ao Judiciário, depositou
o valor do principal mais os juros e as multas previstas na autuação.
Para o primeiro caso, o contribuinte deixou de ter direito aos
benefícios. Já para o segundo, manteve-se, pois nos termos da Portaria
Conjunta 10, as reduções somente serão calculadas sobre os valores,
efetivamente, depositados.
A nova regra, que prevê o tratamento diferenciado para cada caso, é,
nesse aspecto, ilegal, pois altera as disposições da lei instituidora
do programa. Com a alteração promovida pelo texto da Portaria, ficam
excluídas das dívidas elegíveis para a obtenção dos benefícios, todas
aquelas discutidas judicialmente e que estão garantidas por depósito
judicial apenas do valor principal do débito.
A portaria jamais poderia, ainda que indiretamente, excluir qualquer
das dívidas enumeradas pela lei como passíveis das reduções ali
previstas. O objetivo da regulamentação é o de apenas descrever os atos
necessários à execução dos parcelamentos, incluindo a forma e o prazo
para confissão dos débitos a serem parcelados.
Aliado à ilegalidade da Portaria Conjunta 10, está o fato de que ela
foi publicada a apenas 21 dias do término do prazo para a adesão — além
de muito tempo depois do prazo máximo para a regulamentação da lei.
Se por um lado, o programa instituído serviria para que o governo
federal recuperasse parte dos débitos tributários e previdenciários e,
como reflexo direto, haveria uma diminuição das ações judiciais
(alavancando a busca pela celeridade da Justiça), por outro, o atual
detalhamento da forma de conversão dos depósitos judiciais traz ao
Judiciário uma nova discussão: a legalidade da portaria.
Talvez, por conta da conhecida sanha arrecadatória do Estado, boa
parte dos contribuintes que estudavam a possibilidade de aderir ao
“Refis da Crise”, reveja sua posição. Já aos que aderiram, resta apenas
aguardar que o Judiciário não permita que se perpetue a ilegalidade das
novas disposições.