Adriano Pires e Abel Holtz |
O tema da incidência tributária sobre o consumo de energia elétrica tem sido objeto de inconformismo
O
apagão ocorrido no Brasil na noite da terça-feira revelou a
incapacidade de reação das autoridades ao problema que afetou milhares
de pessoas. Uma saída teria sido acionar as inúmeras térmicas que estão
paradas, cujo gás combustível é queimado por falta de consumo, e que
estão sendo pagas exatamente para suprir a sociedade numa emergência
como essa.
Esse
não é o único problema que aflige o consumidor de energia elétrica
brasileiro. Outra questão recente é o indevido reajuste de preços e
tarifas da energia elétrica que consumimos por inadequação da
metodologia contratual. Declarações de agentes do setor convergentes e
contraditórias quanto ao montante do prejuízo imposto à sociedade nos
dão conta que o prejuízo, ascende a R$ 1 bilhão por ano durante os
últimos sete anos. Verdadeira fortuna que alguns afirmam ser
desprezível quando dividido pela totalidade dos consumidores. Como
entender essa postura?
Cabe
entretanto ressaltar que, qualquer que venha a ser o montante definido
como indevidamente pago pelos consumidores, que cerca de 50% (a metade)
se constitui em tributos e encargos cujo montante pago foi recebido
pelos governos dado a pesada carga tributária incidente nas tarifas de
energia elétrica.
Ao
pesarmos os percentuais envolvidos devemos lançar nossa atenção também
para a medida provisória já convertida pela Câmara em projeto de lei e
que se encontra em análise no Senado, pela qual os consumidores de todo
o país deverão receber e pagar a compensação definida no dispositivo
legal, aos estados que estarão sendo interligados ao sistema nacional
de energia elétrica.
Pelo
dispositivo em análise pelo Senado, estaremos pagando um
percentualzinho a mais em nossas contas mensais, decisão que pode ser
interpretada como uma penalidade imposta a nós consumidores que, na
verdade, deveria se constituir um prêmio em decorrência da substituição
das térmicas que supriam os estados, até então isolados, por energia de
outras fontes incluindo as hidrelétricas, sabidamente mais baratas. Só
que, cabe destacar, uma parte desse percentual adicional que iremos
pagar será absorvida pelos governos sob a forma de tributos.
O
tema da incidência tributária sobre o consumo de energia elétrica tem
sido objeto de inconformismo de diferentes associações de agentes do
setor e não é novo. Muitas manifestações a esse respeito têm sido
formalizadas junto ao governo, mas, sem resposta. O sistema elétrico é
a maior e melhor coletoria de tributos na visão governamental, e seria
"imexível".
Um
aspecto que talvez passe desapercebido por parte do consumidor é que a
interpretação dada ao Dispositivo Constitucional que define para a
energia elétrica a incidência do ICMS como tributo único não
estabeleceu a metodologia para sua aplicação. Hoje, aplica-se o tributo
simplesmente à soma dos custos - desde a geração nas usinas até a porta
do consumidor.
Ora,
entre os custos arrolados existem despesas administrativas, como
aquelas da ANEEL, custos com a prestação de serviços, como por exemplo
com o transporte da energia desde a usina onde foi gerada até a conexão
do consumidor e sua transformação em diferentes tensões. Esses custos
poderiam ser enquadrados como "serviços de outra natureza" e taxados
com uma alíquota menor que os 33% que a taxação definida para o ICMS.
Se fosse adotada essa separação entre o que é energia elétrica e o que
são serviços aderentes, poderíamos ter um preço para a energia menor
que aquele atualmente imposto ao consumidor.
Cabe
relembrar ainda que a metodologia atualmente aplicada não permite que a
geradora destaque o tributo - ICMS - sobre o valor da energia que vende
ao sistema. Isso impede que os impostos pagos, na fase de construção da
usina, com a compra dos equipamentos e prestação de serviços possam ser
compensados. Ao serem imobilizados, todos aqueles impostos pagos
durante a construção são embutidos no preço de venda da energia nos
leilões. Se fosse permitida a compensação, seguramente os preços de
energia na origem seriam pelo menos 10% menores. Em compensação, também
seria menor a parcela de tributos que os governos viriam a receber.
Talvez esteja aí o motivo desse assunto também ser "imexível".
Apresentados
esses aspectos, os interesses do consumidor do chamado Mercado Regulado
(ACR) - antes denominado de cativo, diga-se de passagem uma denominação
muito mais apropriada - estão órfãos porque não existe uma associação
capacitada a defender seus interesses, como os demais agentes do setor
possuem.
A
impossibilidade de defesa dos consumidores é inerente e a dispersão
deles em todo o território nacional, por si só define a impossibilidade
de haver uma representação adequada de seus interesses.
Cabe
sim aos órgãos de governo a defesa de nossos interesses. O Ministério
Público, o Procon e a Agência Reguladora têm que assumir esse papel de
contestação para obter um regramento mais próximo da realidade do
consumidor.
(Texto publicado originalmente no Jornal Valor Econômico em 12.11.2009)