Decisão
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, abriu
um importante precedente para as empresas que arcaram com o aumento da
alíquota do PIS ocorrido em 2002. De forma unânime, a corte reconheceu
a ilegalidade da cobrança majorada da contribuição pelo fisco federal
entre os meses de dezembro de 2002 e janeiro de 2003. Na prática, o
precedente do TRF-4 abre caminho para que as empresas optantes pelo
regime do Lucro Real, em especial as prestadoras de serviço, busquem na
Justiça o ressarcimento pela diferença de 1% paga em relação ao
faturamento dos dois meses.
O entendimento é da Corte Especial do TRF, que julgou o caso no dia
22 de outubro. O acórdão foi publicado no dia 30. Os desembargadores
consideraram o princípio da anterioridade nonagesimal para declarar que
a norma entrou em vigor antes do que deveria. Pelo princípio, qualquer
aumento de alíquota ou criação de tributo só pode começar a valer
depois de 90 dias da publicação da lei.
Essa quarentena está prevista no artigo 195, parágrafo 6º, da
Constituição Federal. “As contribuições sociais de que trata este
artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da
publicação da lei que as houver instituído ou modificado”, diz o texto.
Por isso, a indústria catarinense Schneider S/A, ao contestar em
Mandado de Segurança cobranças do fisco federal, alegou incidente de
inconstitucionalidade à 2ª Turma do TRF-4. A Arguição de
Inconstitucionalidade, ajuizada em 2004, foi encaminhada pela turma à
Corte Especial, que só julgou o caso no mês passado, depois que o caso
mudou cinco vezes de relator.
O dispositivo considerado inconstitucional foi o inciso II do artigo
68 da Lei 10.637/02, publicada em 31 de dezembro de 2002, e que
instituiu a não-cumulatividade do PIS, contribuição social calculada
sobre o faturamento. O inciso estipulou que a elevação da alíquota de
0,65% para 1,65% passaria a valer a partir de 1º de dezembro de 2002,
ou seja, em data anterior à da publicação da lei. A norma se aplica às
optantes pelo regime do Lucro Real de tributação.
O aumento foi feito como uma espécie de compensação pela perda de
arrecadação. Como o tributo passava a ser não-cumulativo, ao ser
apurado com base no faturamento bruto, despesas com insumos poderiam
ser abatidas do valor a ser pago. O prejuízo caiu no colo das
prestadoras de serviço, que não fabricam e, portanto, não podem usar
gastos com insumos para abater o PIS. Mesmo assim, arcaram com a
alíquota maior.
A Medida Provisória que deu origem à lei, a MP 66/02, já estipulava
a vigência da nova regra apenas para 1º de fevereiro de 2003. Foi na
conversão da norma para a forma de lei que o prazo foi adiantado — ou
enviado de volta ao passado. A Lei 10.684, publicada no ano seguinte,
corrigiu a situação, colocando o início da vigência definitivamente
para 2003 — depois que os contribuintes já haviam pago duas
competências sob o novo regime.
A defesa da Fazenda Nacional fundamentou sua tese alegando que a
anterioridade foi cumprida em relação à publicação da Medida Provisória
66, que deu origem à lei, em 30 de agosto de 2002. No entanto, a
Justiça entedeu que a mudança feita pela Lei 10.637 incluiu tributação
“mais gravosa” ao contribuinte, e por isso, o prazo deveria ser contado
a partir da publicação da lei.
“São indevidos os recolhimentos de contribuição ao PIS com base no
art. 3º da Lei n.º 10.637/02, no período anterior ao advento da Lei
10.684/03 (com efeitos a partir de 01.02.2003)”, concluiu o
desembargador federal Dirceu de Almeida Soares, relator do caso na 2ª
Turma do TRF-4, e que foi seguido integralmente pela Corte Especial. O
relator no colegiado máximo do TRF foi o desembargador Álvaro Eduardo
Junqueira.
A decisão é importante principalmente para as prestadoras de serviço, como afirma o tributarista Eduardo Kiralyhegy,
do escritório Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados. “Embora a
inconstitucionalidade se refira a apenas dois meses, é bastante
relevante, já que o crédito será correspondente a 1% do faturamento do
período”, diz. Para ele, o acórdão é um estímulo para que as empresas
busquem o ressarcimento na Justiça.
Outras cortes, no entanto, apreciaram a questão com ponto de vista diferente, como lembra o advogado Leonardo Rocha,
do escritório Fadel e Giordano Advogados. O Tribunal Regional Federal
da 3ª Região entendeu, no ano passado, que havia "inexistência de
criação de nova fonte de custeio da Seguridade Social ou de violação
aos princípios da livre concorrência e da anterioridade nonagesimal",
no caso da Lei 10.673/02. O entendimeto ficou evidenciado no julgamento
da Apelação Cível 2003.61.000106199 pela 3ª Turma do TRF-3.
"O precedente é relevante porque uniformiza a jurisprudência no
TRF-4, o mais técnico e menos fiscalista do país", diz Rocha. A
questão, segundo ele, ainda não chegou nos tribunais superiores.